sexta-feira, 21 de maio de 2010

Listas, listas...

É frequente, ainda mais em tempo de internet, aparecerem listas do tipo "as melhores canções pop de todos os tempos" ou "os melhores cantores do pop rock da década de 80" e por aí vai. Nenhuma destas listas merece mais do que um golpe de olho curioso, sem que se leve muito a sério. Qualquer lista dessas é subjetiva, por mais que seja um conjunto de subjetividades de vários sujeitos, tomados na média, talvez.

Enfim. Eis aqui mais uma lista para não ser levada a sério. Eu não assisti ainda ao documentário It Might Get Loud, brilhantemente comentado pelo PQ. Mas a última (se é que não é já a penúltima...) Rolling Stone traz Jimi Hendrix na capa e uma entrevista conjunta com Jeff Beck e Eric Clapton. Este post já estava na minha cabeça faz tempo. Já fermentou a ponto de estragar. A idéia e fazer uma lista com os "maiores guitarristas (de rock ou similares) de todos os tempos". Claro, é a absolutamente minha lista. Não segue nenhum critério, só mesmo o meu gosto, o que está muito longe de sê-lo...

A única diferença é que a lista vai comentada. E a ordem não indica preferência, apenas lembrança.

Hendrix e sua Flying V

1. Eric Clapton: nome óbvio quando se fala em lista de guitarristas. Mesmo quem não gosta muito, cita por respeito, para dar credibilidade à lista. Não é de maneira nenhuma meu caso. Eric Clapton é uma espécie de sidarta gautama da guitarra. Com ela empunhada, ele desaparece num estado meditativo em que a música parece soar sozinha, vinda de uma caixinha dourada com a bailarina em cima. Ele simplesmente parece que não está lá. Clapton não é um exímio compositor de canções (como muitos que aparecerão aqui), mas seus solos são exuberantes. Sem rococó nenhum, sem técnicas malucas de tapping, sem desvarios frenéticos de velocidade, E.C. toca um solo como se ele só pudesse ser tocado daquele jeito. As notas encaixam no lugar e no tempo certo, a escolha dos silêncios, dos bends, tudo acontece como se só pudesse ser assim mesmo. E mais: os solos de Clapton são melódicos e não um mero desfile de notas dentro da escala tocadas a pretexto de demonstração de destreza. While my guitar gently weeps, canção célebre do seu amigo George Harrison é a melhor descrição para a abordagem que E.C. tem da guitarra. Nada mais justo que George tenha lhe dado a oportunidade de tocar o solo nesta música...

2. Jimi Hendrix, é claro. Bem, a primeira impressão é a de que Hendrix não era de fato, deste planeta. Enquanto Clapton parece não estar presente quando toca sua guitarra, Jimi é o extremo oposto: a guitarra é que parece ausente. Aqui, a música é corporal, visceral, Hendrix é, na verdade, um bailarino. Não, não me interessa guitarra tocadas com dentes, de costas ou pegando fogo. Tampouco festivais de feedback ou solos de 10 minutos. Se fosse só isso, seria só isso. Pouco se fala mas Hendrix era, acima de tudo, um baita guitarrista rítmico. Por isso "o bailarino". Compositor de várias das mais belas canções do rock, Jimi tocava dançando e sua abordagem rítmica alterna acordes, licks, riffs... Isto é hora harmônico, hora melódico, ora é ambos. Wait Until Tomorrow é uma música sem solo de guitarra nenhum, e nem precisa, aqui ele baila entre o solo, o grupo, o músico e a canção, tudo como se fosse uma coisa única.


3. Keith Richards. "Keith Richards é tão ruim que ninguém consegue copiá-lo". Eu já li isso em algum lugar, felizmente já não me lembro onde. O final da frase é verdade, o começo é uma senhora mentira. Claro que Keef não conseguiria tocar como o medidativo Clapton ou o bailarino Hendrix, mas não importa (e eles? conseguiriam tocar como este aqui?). Tecnicamente limitado se comparado a outros é verdade, mas quem não é? (Talvez só Pelé). A sua genialidade (sim, genialidade, não estou brincando) deve-se ao fato do tanto que ele consegue fazer dentro destes limites. E não é pouco! O pirata do rock sustenta a maior banda de rock do mundo há quase 5 décadas, e é responsável direto por clássicos reconhecíveis até por um cachorro bêbado: satisfaction, jumpin jack flash, brown sugar, honky tonk women, start me up (pra ficar só no óbvio), além de licks menos famosos mas igualmente belos como em tumblin' dice e beast of burden.

4. George Harrison. Diferente dos três anteriores, Harrison não era blueseiro, nem trazia forte influência de blues. George era mais genérico, gostava de Carl Perkins, tocava um slide maravilhoso e troxe a música indiana para o rock. E não como pastiche, mas de uma maneira harmoniosa e bela. Quando os Beatles davam sinais de cansaço, ele emerge como grande compositor em something, here comes the sun e while my guitar gently weeps. E quando os Beatles abandonaram de vez o barco ele mostrou ao mundo All Things Must Pass (que deve ser o primeiro e único album triplo da história do rock) e Living in the Material World. George era o músico.

Keith Richards com seu glimmer twin

5. Os arquitetos Brian May e Jimmy Page. Os dois arquitetos do rock tem uma abordagem semelhante no estúdio, desenhando com a guitarra e seus timbres estruturas muitas vezes complexas (ou extremamente simples) dentro da música das duas maiores bandas de rock da era pós-beatles. A diferença é que enquanto Mr. Page era simplesmente o dono do Led Zeppelin, Brian aprendeu a conviver e participar de forma brilhante da música de um sujeito que era simplesmente genial. Claro que Brian May tinha também ótimas composições, mas sua guitarra pode ser melhor apreciada exatamente nas músicas de Freddie, onde ele agrega sem tirar o foco do principal, a canção. Claro também que o som dessas bandas era completamente distinto, uma só ia na boa e pavimentou a estrada do hard rock/heavy metal enquanto a outra era anárquica e esteticamente experimental. Jimmy é o arquiteto com queda pra engenheiro e Brian o arquiteto com queda para o design...

(CONTINUA...)

It Might Get Loud (de um convidado especial...)

Caros leitores deste blogue... Sinto muito pela longa ausência. Eu mesmo gostaria de estar mais postante, mas estou por demais atarefado com obrigações diárias e mundanas... Vida triste essa da gente. Primeiro o que a gente TEM QUE FAZER e só depois, se sobrar tempo, o que a gente QUER FAZER...

Idéias pintam, é claro. No banho, de noite na cama, no carro... Falta a bunda. A bunda na cadeira e os dedos ali, tlec, tlec, tlec...

Mas, enquanto seu lobo não vem, vou postar um convidado muito especial, tirado de http://penavadia.blogspot.com/. Vale a pena ler este blogue, o espectro dele é bem mais amplo que o meu, e seu último post cabe muito bem aqui. Grato ao PQ que me emprestou o texto. Chega de nhém, nhém nhém.: vamos a ele.

" 'It might get loud' é o que diz Jimmy Page – com um sorriso no rosto e um plug na mão – a certa altura do magnífico documentário de Davis Guggenheim, que se desenrola a partir do encontro de Page, The Edge e Jack White.

O encontro é supimpa, não apenas pela alta música que dele resulta, mas pelo deslavado elogio da guitarra elétrica. O documentário é uma apologia da guitarra: seus timbres, suas texturas, suas formas e, é claro, os truques em que são mestres os três mestres. Mas a apologia se transforma em verdadeiro apólogo, quando são as três guitarras que dialogam, dizendo coisas que não se pode transformar em palavras.

Linda a cena de Jack White construindo a mais precária (e portanto mais bela) das guitarras, com pouco mais que uma tosca peça de madeira, uma corda, amplificador, eletricidade e… uma garrafa de coca-cola como ponte. Difícil não ver aí uma referência à arte pop, e à possibilidade de que, das entranhas do consumo, venha a nascer um objeto único, irrepetível e irredutível ao desejo massificado. A guitarra, como a música, participa do universo do sagrado.

O documentário é também uma pequena e deliciosa aula de história: o experimentalismo com as potencialidades do rock inglês no cenário da liberação dos 60 e 70 (Yardbirds e Led Zeppelin), aquele minimalismo de acordes em que se condensa o grito pacifista a partir da Irlanda dos anos 80 (U2), e esse tal de rock’n’roll que reaparece com tudo na América, nesta turbulenta última década (The White Stripes, The Raconteurs).

É curioso que o mais novinho do bando seja o americano, e que seja ele também o mais disponível dos 3, ou pelo menos aquele que mais parece estar ainda experimentando poeticamente. Sigo pensando na maneira como White fala sobre o que significa tocar os objetos que produzem os sons. A textura, para ele, não é apenas a textura misteriosa da música. A textura da música passa antes pela descoberta da textura das coisas, e das vibrações que elas escondem. É pelas coisas que nos comunicamos com o além, com o sagrado.

Por último, o percurso entre a Inglaterra, a Irlanda e os Estados Unidos é uma poderosa viagem musical, como se auscultássemos um som virtual: aquilo que pode acontecer sempre que se dá esse raro encontro transatlântico, isto é, sempre que o rock das ilhas toma o navio de volta, atravessa o mar do Norte e vem reencontrar as suas velhas raízes, tornando-se, lá no fundo, o blues que ele nunca deixou de ser. Que o blues reapareça no fundo inescrutável da guitarra de um jovem branquelo de Detroit, de origem humilde e que talvez tenha aprendido a usar as mãos artisticamente estofando móveis antigos, é um desses mistérios fabulosos, que parecem acontecer de tempos em tempos. Com eles, renovamos nossa fé. And it might get loud."

http://penavadia.blogspot.com/