terça-feira, 2 de novembro de 2010

Um lindo dia de sol...


Vai passar nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai
se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais

Num tempo página infeliz da nossa história, 
passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída 
sem perceber que erasubtraída
Em tenebrosas transações

Seus filhos erravam cegos pelo continente, 
levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal, 
tinham o direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia 
que se chamava carnaval, o carnaval, ocarnaval
Vai passar, 
palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos 
e os pigmeus do boulevard
Meu Deus, vem olhar, 
vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade 
até o dia clarear

Ai que vida boa, olerê, ai que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai que vida boa, o lerê, ai que vida boa, o lará
 O estandarte do sanatório geral 
...vai passar



CHICO BUARQUE & FRANCIS HIME

PS: achei esta foto linda na internet, infelizmente sem crédito...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Old Brown Shoe

Sabe aquele velho sapato, aquela velha calça jeans que já tá fininha, ou aquela camiseta antiga que ainda teima em lhe cair bem? Pois é assim que soa pra mim a música do mais místico e tímido dos Beatles, o grande guitarrista, cantor e compositor George Harrison.



Talvez o segredo da música de George Harrison seja o fato de que este é um cantor de poucos hits, uns três ou quatro no máximo. Paradoxal, não é mesmo? Afinal, o universo pop é quase que o universo dos tais hits...

Mas para quem é aficiccionado mesmo por música, aquele pessoal que acorda ouvindo música e vai dormir ouvindo música, é muito legal ter um cara desses, que faz um som que não enjoa. Mesmo as músicas mais manjadas como Something, Here Comes the Sun e Sweet Lord, ou a magnífica While My Guitar Gently Weeps (uma das melhores de todos os tempos), você pode ouvir e se arrepiar como se tivesse as escutando pela primeira vez. As melodias são belas sem serem óbvias, os arranjos extremamente originais e de bom gosto e a execução, sempre impecável. Começando pela sua abordagem do instrumento, a guitarra nas mãos de George é tratada com devoção. Mais do que a mulher amada, a guitarra em suas mãos é um filho ou filha ainda criança, que requer atenção, carinho e dedicação. Ele sempre tocou de maneira suave, com agressividade quase zero, privilegiando a palhetada precisa e os saltos de corda (como em If I Needed Someone, ou mesmo na já citada Here Comes...). Sua abordagem do slide jamais se prendeu ao blues, como é típico dos guitarristas de rock. Aliás, a única ligação dele com o blues é a amizade em comum com Eric Clapton, fora isso, George era mesmo fã de Carl Perkins antes de se tornar uma espécie de embaixador da música indiana no mundo pop do ocidente.



As letras de suas música dificilmente iam na direção do trinômio básico do rock: mulheres, drogas e carros. Não que essas coisas não faziam parte de seu universo, apenas que elas não apareciam com tanta frequência na música, que era mais dedicada a viagens existenciais e espirituais. Musicalmente falando também havia outras coisas além dos três acordes, a revolta e a gritaria aqui. Talvez fosse George o menos roqueiro dos roqueiros? 

Mas o melhor mesmo em George Harrison são as pérolas escondidas... If I Needed Someone, Old Brown Shoe, The Inner Light, Taxman (pra se restringir apenas ao repertório dos Beatles) ou os magníficos álbuns solo All Things Must Pass e Living in the Material World. 

Neste sentido, o show em sua homenagem, o Concert for George, comandado pelo amigo Eric é sublime: "we' re here to celebrate the life and music of George Harrison". Cumprido à risca o prometido, mais que o desfile de estrelas, o show é um desfile de canções, onde, bem, você pode ter uma preferência aqui outra ali, mas é todo ele uma celebração mesmo, emocionada e emocionante de um conjunto maravilhoso de canções. Pessoalmente acho as participações de Billy Preston o ponto alto (principalmente em Isn't it a Pity, canção menos conhecida do álbum triplo que marcou o fim dos Beatles), acho que ele era uma espécie de parceiro espiritual de George. A entrada de Paul no final, onde divide a execução de Something e While my Guitar com Eric também é de tirar o fôlego, e a participação de artistas menos conhecidos como Gary Brooker e Albert Lee também é a cara do homenageado...



Enfim, a música de George Harrison não é muito festiva e foge dos maiores clichês do rock'n'roll... 

Mesmo assim...

AILAIQUÊÊÊ!!!!!!

[M]

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Novos Tempos?

Dia desses tava ouvindo o ótimo disco (novo) de Ian Brown. Na verdade parece ser uma coletânea reunindo o melhor do trabalho solo do vocalista dos Stone Roses. O álbum chama The Greatest e não traz muita informação. Vai na linha minimista, encartes com fotos bacanas, mas informação zero. Afinal o que vale é a música, não? Bem, esta é afinal a geração mp3, bem diferente da geração bolachão...


O encarte super informativo de the Greatest. Tudo bem, é bonito...


Bem, para dizer que os Stone Roses foram um descoberta bem tardia minha. Formada no final dos 80/início dos 90 em Manchester pelo vocalista Ian Brown, dono de uma voz meio esfaqueada, timbre cortante, canta meio falado e as palavras saem uma por uma sem embolar (o que me leva a crer que o cara deve odiar Mick Jagger), e o guitarrista John Squire (que imagino não ter parentesco algum com o velho Chris, baixista do Yes...), excelente ritmista e de muito bom gosto na escolha de timbres e efeitos. Nesta época estava eu preocupado demais com o "lixo noventista" e me recusava a ouvir coisas novas, não queria macular o puro som do rock'n'roll dos 60 que entrou pelos 70 arrebentando, e pelos 80 já perdendo totalmente o gás.


E o tempo é o senhor da razão. Pra não deixar de ser teimoso, eu passei boa parte dos anos 00 descobrindo os tesouros escondidos nos 90... É muito engraçado porque meus alunos na faixa de 18/20 anos desfilam por aí, orgulhosos com suas camisetas do... Led Zeppelin???? Uma pesquisa rápida na sala de aula mostrou ser essa a banda favorita, ao lado de outras novidades como AC/DC e, pasmem, os Beatles. Nada contra, acho ótimo que tenham este bom gosto, mas quando eu citei os White Stripes ou Lady Gaga, ninguém levantou o braço.


Engraçado é que, mesmo das antigas, as bandas inglesas continuam fazendo a cabeça das novas gerações. E como o rock britânico e o americano são diferentes! No começo, os ingleses importaram o blues e o rock negro americano, reciclaram, e devolveram revigorado e, é claro, principalmente: branco. Beatles, Stones, Who, Animals e outros pioneiros faziam praticamente rock americano até meados dos 60 quando o jeito inglês parece que veio à tona. LSD, roupas coloridas, a pílula... talvez a assimilação destes no velho continente tenho sido mais ligeira e malandra que na América, ainda preocupada com Guerra Fria e outros fantasmas. O psicodelismo é basicamente rock inglês. Não há como negar, e os frutos estão aí até hoje. O rock americano parece mais preso às suas raízes, a um certo purismo (ainda que alguns artistas ingleses sejam entusiastas da idéia, como Clapton, por exemplo). O rock inglês é mais solto, livre e descompromissado. Na ilha nasceram, além do psicodelismo, o heavy metal, o prog-rock, o punk, a new wave (ok, o grunge é, essencialmente americano. Assim como o rap). Os melhores artistas americanos tocam uma música extremamente tradicional (e boa). Incluo aí, os canadenses Neil Young e a The Band. Dylan e outros folks semelhantes (Crosby e Stills). A banda dos irmãso Allman e até mesmo o pessoal da costa oeste, Grateful Dead, Jefferson Airplane e mesmo Credence Clearwater Revival. Enquanto o rock americano vem de trator aditivado com Bourbon, o inglês tem aquele ar de neblina, chuva e bolor (e aqui parece residir a diferença fundamental)

A ensolarada pose dos americanos Crosby, Stills e Nash (tudo bem, Nash é inglês),
enquanto na ilha os Stones vão passando aquele frio...



Talvez os mais libertários entre os artistas americanos tenham sido Hendrix, The Doors, Lou Reed e o pessoal de NYC, Talking Heads e a galera do Grunge (bem, o que dizer então de Frank Zappa?). Libertários em relação a estas tradições, a estas raízes. Já na ilha, o troço é diferente. Eles não precisam respeitar estas raízes, pois não são deles. O som da ilha me parece mais descompromissado e mais disposto a incorporação de novidades. Bob Marley e os Wailers ali no caribe, tão pertinho da América, voaram para a ilha antes de estourar comercial e internacionalmente. Até mesmo Hendrix teve que sair dos EUA e montar uma banda inglesa para depois reconsquitar seu próprio país. Enfim...


O mais engraçado é que (parte d')essa geração do MP3 tá de olho (e ouvidos) lá nos 60's e 70's... Um outro aluno veio todo orgulhoso me contar que faltaria a uma aula na sexta porque estava indo ao show do Rush! E você vai no show certo de encontrar uma bando de carecas ou grisalhos barrigudos e quando percebe está no meio da maior moçada... Acho que isso dá um certo estilo pra gente sabe? algo como, olha eu não tô ouvindo o que tá tocando por aí, eu tô é com a velha e boa guarda... Naqueles (nossos) tempos era mais complicado, rádio quase não tocava, tinha que ser disco ou fita gravada de alguém. Hoje, na era do MP3 o aceso é total a tudo, é de ficar tonto.


Só espero que daqui uns anos meus alunos comecem a ouvir os
Stones Roses, Primal Scream, Kula Shaker, as grandes bandas inglesas dos 90. Sem esquecer coisas mais eletrônicas como Morcheeba, Masive Attack e Portishead. Quanto aos americanos, sejam eles os super-retrô Black Crowes (minha banda americana favorita) ou o supreendente Mark Sandman e seu Morphine, espero que eles também descubram e desfrutem. Nunca é tarde demais...

[M]

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

THORN IN MY PRIDE

Wake me when the day breaks
Show me how the Sun shines
Tell me 'bout your heartache, who could be so unkind

Do you dream to touch me?
And smile down deep inside
Or could you just kill me?
Hey, it's hard to make up your mind sometimes

My angels, my devils, a thorn in my pride
My angels, my devils, a thorn in my pride

Are you wanting inspiration?
You spill your secrets on me
Then you tell me with a whisper
Of things that will never be

Do you hear me breathing?
Does it make you want to scream?
Did you ever like a bad dream?
Yeah, sometimes life is obscene

My angels, my devils, a thorn in my pride
My angels, my devils, a thorn in my pride

My angels, my devils, a thorn in my pride
My angels, my devils, a thorn in my pride

Lover, cover me with your sleep

Let your love light shine, let it shine
Lover, cover me with a good dream
Oh let your love light, let your love light shine

All I wanna know, do you ever want to let it shine
Do you ever want to let it shine?
Your love light, your love light, now listen

Lover, cover me with your sleep
Let your love light shine,

let it shine...


[Robinson & Robinson]

terça-feira, 14 de setembro de 2010

The Baron Chronicle

Hungry Like the Wolf do Duran Duran sempre tem o efetio de empurrar minha memória lá pra trás. Barão Geraldo era um mundo dentro do mundo e na época desta fome de lobo o Aulus chamava-se Sancho Pança e era o máximo que conseguíamos alcançar de bicicleta ou a pé. A avenida Sta. Isabel e cercanias era aventura que exigia motor.

A vocação era o esporte, notadamente o futebol, onde Tato, André Galembeck e Lourenço (que não era de Barão, mas era como se fosse) formavam um trio de craques. Jogar contra eles era certeza de que um empate já seria tarefa dificílima.

Mas o universo de personagens e talentos era enorme, e muitas delas eu nem lembro ou pior ainda, nem cheguei a conhecer. Os irmãos Martin e Tristan tinham uma banda cover de Duran Duran, a primeira banda cover que eu vi na vida, acho que na época o termo "banda cover" nem existia. Martin comandava os teclados, ele tinha um equipamento avançadíssimo naquela época, (se não me engano) um teclado Roland, algo infinitamente superior ao órgão Hering com um ventilador embutido que meu pai tinha trazido de uma promoção do Makro (bem, não é de se estranhar que eu não tenho desenvolvido certas habilidades). Tristan tinha uma Les Paul, não sei se era Gibson, porque eu nem sabia o significado dessa palavra na época, mas é provável que fosse, eles eram (filhos de) americanos e tinham acesso facilitado a essa coisas que na época aqui era algo como "qualquer Gianinni é um luxo". Além da guita, Tristan cantava. Completavam a banda, o Búlgaro na bateria e Frangão no baixo. O Búlgaro tinha uma moto muito bacana, acho que era uma uma Garelli ou Agrale, uma italiana barulhenta, a gente sabia desde a curva de entrada na avenida 19 que ele estava chegando e aquilo estava uns dois ou três degraus acima daquilo com o que sonhávamos: uma mobylete. Frangão tinha o apelido tirado do gibi do Pelezinho, não lembro nem se era justo, não lembro dele ser goleiro apesar de que o cara era simplesmente uma referência, literalmente: o sujeito era enorme, só superado pelo Noel que ficou famoso no bairro porque aos 11 anos já calçava 43.

Simon Le Bon e Sheila Ming no clip de HLtW.

A banda era muito boa. Afinada mesmo, executava os hits do Duran Duran com precisão cirúrgica. Devo confessar que na época eu achava que o universo musical era uma coisa dividida entre os Beatles e o resto, então, DD estava longe de ser minha banda favorita. Com aquelas música mais melosas tipo The Chaffeur, eu nunca fui muito, mas as coisas mais movimentadas como Planet Earth, Girls on Film e Hungry Like the Wolf (minha favorita), eu achava bem bacanas. Talvez pelo clipe naquele clima de Indiana Jones com toques de sensualidade providos pela linda atriz que contracenava com Simon Le Bon, ou simplesmente pelo tchu-tchu-tchuru, tchu-tchuru, tchu-tchuru tchuchu! que finalizava os versos. Em retrospectiva gosto mais deles hoje, do que na época. Na época mesmo, a banda dos irmãos Martin e Tristan faziam mais a minha cabeça que a original. Martin ainda namorava a Cris, com quem estudei desde a terceira série e era uma tímida loira magrelinha que os anos de ballet trataram com generosidade até o ponto de na formatura do terceiro colegial ela ousar vestir uma forma que, bem, digamos que excluía definitivamente a palavra "decote" do dicionário. Martin acho que virou médico. Deve dar suas tecladas por aí de vez em quando. Os outros três eu desconheço o paradeiro, mas eu tenho uma lembrança muito boa desses caras que me apresentaram o universo pop requintado deste que foi, sem dúvida, um dos melhores sons dos anos 80.

[M]

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Que John Malkovich o quê!

Eu queria mesmo era ser Jack Johnson. Olha o escritório do cara!?:


É aquela velha história de sonho de criança. Queria ser bombeiro. E nas horas vagas jogador de futebol. Sobrando um tempinho ainda, ator de novelas.

Jack Johnson abandonou o surfe (profissional) cedo, depois de um acidente. Então decidiu ir estudar cinema na Califórnia e se dedicar à música (poderia ter decidido ir estudar direito, e se dedicar à culinária, por exemplo....). Hoje é trilha sonora obrigatória nas melhores aulas de pilates, quiosques de açaí, cafés descolados e coisas do gênero. Pop do universo cult, ou o cult do mundo pop, a verdade é que o havaiano tem (pelo menos) um disco muito legal (Brushfire Fairytales), aquela músiquinha bacana da trilha sonora do desenho do macaquinho George, o curioso e agora essa música maneiríssima que está tocando nas rádios (You and your heart). Só gente bonita, bacana e ensolarada curte Jack Johnson. Pergunte pra qualquer menina que esteja se banhando de sol na Guarda do Embaú se ela prefere Jack Johnson ou Motorhead...


Jack Johnson pode ser trilha de gente descolada e sorridente, que assiste festival de cinema iraniano, não come carne vermelha, fuma só do natural e evita dirigir alcolizado. Pro universo rock'n'roll pode ser considerado suave em excesso (ainda que excesso de suavidade soe contraditório, por princípio), delicado demais... Sempre de chinelo, camiseta e bermuda o cara é dono de uma voz bem encaixada e de um ritmo fluido, de fato o cara tem ótimas composições. A música dele é boa, desencanada... relax total.


Havaiano, surfista e pop star... Eu imagino a dieta do sujeito. Só pode estar comendo muito bem.

[M]

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Pilotando a máquina

Bem, já foi falado sobre a guitarra, a voz e a cozinha... Falta agora o complemento harmônico (não-obrigatório) do rock em barailaique. Na verdade, a presença do teclado na história do rock é tão antiga quanto o próprio...

No tempo dos pioneiros, Little Richard e Jerry Lee Lewis demoliam (em) seus pianos. Aliás, eles tinham postura muito mais rock'n'roll que Elvis ou Chuck Berry. Mas, convenhamos, piano é um trambolho enorme, e provavelmente tem um na casa da sua avó, de uma tia distante ou de algum estabalecimento de mesma estirpe.

Anos 50, huuuum, veja bem: a guitarra elétrica, novidade total, nego toca em pé, dançando, rebolando e chacoalhando. Piano é aquilo (voltar ao parágrafo anterior...), ainda que os supracitados pianistas dançassem, rebolassem e chacoalhassem... Rock'n'roll é (também) imagem. Desde o princípio. E assim o piano foi relegado a segundo (terceiro, quarto...) plano.

Veja os Stones por exemplo. A auto-intitulada maior banda de rock de todos os tempos. Eram 6 os Stones até a data de assinatura do contrato com a DECCA, quando foram convencidos de que Ian Stu Stewart era "muito velho" (e muito pianista!) para ser membro oficial da banda. Foi elegantemente rebaixado a músico de apoio. Mas sempre esteve lá. Ele, ou outro tecladista, Nicky Hopkins, Billy Preston, Chuck Leavell, entre tantos...

Mas os teclados sempre tiveram por ali, rondando o rock'n'roll e chegaram mesmo a ensaiar um golpe de retomada de poder com o prog-rock, mas o contra-golpe veio rápido com o punk! rock...

Os Beatles jamais desprezaram a presença de um bom piano em suas músicas (pós iê-iê-iê), fosse pelas mãos de Paul ou de George Martin, tanto quanto pela presença do inesquecível Billy Preston, que tocou como convidado em algumas faixas, notadamente naquelas do teto da Apple. O mesmo Billy que tocou em diversos discos dos Stones, com os quais tem faixas fantásticas como I Got the Blues e Melody.

Ah é? E que tal Ray Charles, que tinha verdadeiros riffs de teclado como em What'd I Say. Ou Stevie Wonder, com toda aquela música maravilhosa dedicada ao teclado... Bem, na música negra americana isso vem da igreja, do gospel direto para o que viria a ser a soul music.

A verdade é que os teclados oferecem um contraponto melódico à guitarra, além de uma outra possibilidade sonora que as bandas dos anos 60 (principalmente com a psicodelia) adoravam. Os tecladistas Alan Price e Ray Manzarek por exemplo, eram figuras centrais para a música dos Animals e the Doors. Al Kooper era figura carimbada e muito querido pelos Stones, Dylan (é dele aquele orguinho crássico de Like a Rolling Stone) e Hendrix. Era músico que ia muito além do rock, e fundou uma banda fantástica, os Blood Sweat and Tears. O mesmo se pode dizer do multi-instrumentista (e principalmente tecladista) Steve Winwood, do Traffic. Quando o Traffic ficou sem o guitarrista Dave Mason, ele nem deu bola e seguiu com um improvável power trio sopro/bateria/teclado com eventuais toques de guitarra nos dois melhores discos da banda. Fez parte com Clapton (que queria incorporá-lo ao Cream, algo que os outros dois não acharam boa idéia) do lendário Blind Faith e tocou com Hendrix em Electric Ladyland. Menos conhecido, Ian McLagan começou com o Small Faces e seguiu com Wood e Stewart nos Faces. Seu tecladinho era essencial...

Órgao Hammond B-3 e amplificador Leslie


Mesmo as bandas que faziam um rock mais agressivo, o heavy metal do Led Zeppelin por exemplo contava com os teclados de John Paul Jones para dar uma variada de vez em quando. Mas emblemático mesmo é o som do Deep Purple. Arrisco-me a dizer que, sem o tecladista Jon Lord, aquilo não teria ido além do primeiro compacto (por melhores que fossem os outros músicos). Ele é meu músico favorito nesta banda, é o toque de originalidade que tornou o som do Purple uma coisa única, pilotando seu órgão Hammond plugado num Leslie amp (parece que ele usava um pedal de distorção naquele bicho!). Até mesmo o Black Sabbath quando ficou sem saída criativa chamou Rick Wakeman, tecladista do Yes, para tocar em Sabbath Bloddy Sabbath. Yes que dependendo do tecladista mudava a sonoridade. Com Tony Kaye, da primeira geração, o som era mais rock (ele ainda voltaria nos anos 80 à banda, que voltou ao pop rock). Com Wakeman, era mais clássico e com Patrick Moraz foi mais jazz... O The Who também incorporou, aos poucos, de maneira muito inteligente e criativa som malucos de teclados e sintetizadores em sua sonoridade. Até mesmo o Rush incluiu a partir de certa etapa o som da tecladeira... E o saudoso Rick Wright (the Great Gig in the Sky....), falecido tecladista de uma das banas mais populares de todos os tempos, o Pink Floyd? Quantos dos momentos sublimes desta banda devemos a ele?

Claro que o rock progressivo foi um abuso, a era do exagero. Mas ficou muita coisa dali. E uma delas é o teclado que veio pra ficar e passando pela new wave dos anos 80 (Duran Duran com aquele som absolutamente sintético), desembocou no techno e música eletrônica dos anos 90 e 00. Mas ainda teve muita gente apoveitando o sonzinho maneiro do teclado sem tornar isso uma obsessão. O Police dos dois últimos discos (os mais legais deles!) incorporou piano e teclado. David Bowie sempre usou de maneira brilhante. Até o U2!? E mesmo as boas bandas de reggae não dispensam esse sonzinho maneiro...

Moog: os primórdios do sintetizador.

Lembro também o som maneiro do R.E.M., e até mesmo o Pearl Jam que não dispensa os teclados do músico de apoio, bem como o João Fera dos Paralamas... Os Black Crowes com sua sonoridade retrô, é claro, não poderiam deixar de ter um tecladista de primeiríssima (Eddie Harsch, depois substituído). E que tal Wilco, que tem não só um, mas dois tecladistas?!

E para desespero dos meus leitores itabunenses: Queen e seus "pianinhos de teatro"... Aqui o som era de piano mesmo. Essencial. Senão o Queen seria só mais uma banda de Heavy Metal... Bohemian Rhapsody, Somebody to Love são músicas de piano. Engraçado é que até o disco The Game de 1980, a banda se orgulhava de não usar sintetizador (and nobody played synthesizer, vinha escrito sempre nos créditos).

É claro que, para a MPB essa "dificuldade" não existe. A começar pelo fato de que o maestro soberano era da área e fazia subir frequetemente o piano pra mangueira. Mas, mesmo o nosso pop sempre foi aberto ao teclado. Começando com os teclados de Arnaldo Dias Baptista nos Mutantes, ele seguiu com Rita Lee no Tutti-Frutti até pra sempre no seu feliz casamento (musical) com Roberto de Carvalho. Nas bandas dos oitenta, Paralamas começou sem, mas incorporou já no terceiro (e essencial) álbum, Selvagem. Titãs e Barão, nunca dispensaram. Cássia Eller tinha tecladista na banda, bem como os Infernais de Nando Reis e as bandas da artistas como Lenine e Zeca Baleiro. No manguebit (prefiro a grafia original), Nação Zumbi não tinha mas Bactéria aciona os botõeszinhos no Mundo Livre S.A.


Mellotron: sonho de consumo. Cada tecla aciona uma nota de um instrumento pré-gravado em fita magnética. Foi assim que John Paul Jones tocou flauta em Stairway to Heaven...

Pato Fu também incorporou e o disco novo da Céu é um brinde ao teclado retrô, um desfile de sonoridades antiquadas misturadas com maestria. Provável influência da banda do guitarrista Fernando Catatau que produziu (também) o último do Arnaldo (que sempre teve teclado em sua banda) com aqueles tecladinhos Jovem Guarda...

Enfim, as coisas se reciclam. E ás vezes eu penso: graças a deus!

[M]

terça-feira, 13 de julho de 2010

A cozinha de barailaique

Eu pensei em fazer uma graça, intitulando o post como "a cozinha refinada de barailaique", mas caí na real. Até porque, a boa cozinha nem precisa ser refinada, vamos e venhamos.

E a cozinha do rock'n'roll estará, em geral, longe disso. Não, não pretendo fazer um post sobre receitas e dicas culinárias, nem mesmo nomes de restaurantes ou bares que servem sanduíches com nome de gente famosa.

Cozinha = baixo + bateria, ok? É disso que se trata, e eu espero estar fazendo uma das minhas últimas listas. No princípio, lá nos anos 50, o que interessava era a música. Os anos 60 viram surgir a (eterna) era da guitarra e aos, poucos, os virtuoses de outros instrumentos, baixo e bateria, começaram a se tornar obrigatórios. A partir da seunda metade dos sixties tornou-se praticamente regra incluir um solinho (nem sempre "inho") de bateria nos discos...

1. Até mesmo Ringo Starr gravou um solo de bateria em Abbey Road. Bem, era Ringo Starr... Mas este dispensável (apesar de divertido, quase paródico) momento não é o que o traz aqui. A cozinha dos Beatles era simplesmente fantástica! Muito se deve ao baixista técnico, melódico e criativo: o velho Macca começou como guitarrista antes deles decidirem mandar Stuart Sutcliffe embora, e era ainda por cima, compositor de mão cheia. McCartney nunca se limitou a uma abordagem rítmica do seu baixo, frequentemente ele agregava linhas melódicas surpreendentes, enquanto que Ringo, bem, Ringo era o cara que não deixava a peteca cair enquanto os outros estvam pirando. Seus grandes momentos como baterista estão no descendo a lenha de Tomorrow Nevers Knows e num espetáculo de sensibilidade e adapatação que é a bateria de A Day in the Life.

2. Charlie Watts e seu kit mínimo de tambores dificilmente é ídolo de algum baterista. Mas ninguém mais poderia ser o baterista dos Stones, só mesmo Charlie. Ele é o cara que gosta de levar seu som a partir de uma abordagem mínima, sem vale-tudo, agregando-se à música sem desfigurá-la. Honky Tonk Women é o exemplo da levada ideal de Charlie. Os Stones soariam ridículos com um baterista tipo Ian Paice. Seu colega de cozinha chama a atenção pela total discrição. Bill Wyman era o cara que poderia nem ter estado ali, e talvez ninguém sentisse a falta do seu baixo.

3. Dentre as cozinhas pioneiras da british invasion dos anos sessenta talvez a melhor, ou pelo menos, a mais violenta seja fornecida por Keith Moon e John Entwistle, batera e baixo do The Who. Keith foi o primeiro animal da bateria, provavelmente a maior inspiração para o personagem dos Muppet's... John tinha uma postura discreta no palco, mas era extremamente técnico e sabia fazer o contraponto ou acompanhamento da agressividade de seu colega de cozinha (no clássico My Generation, John dá um show!).

4. Claro: Jack Bruce e Ginger Baker. A cozinha do primeiro supergrupo de rock. O primeiro e o melhor de todos. Não é o caso de dizer "ah, mas eles tinham Clapton!". A excelente música do Cream dependia tanto do deus da guitarra, quanto da cozinha onde ele(s) preparava(m) suas poções. Lembremos: E.C. é, acima de tudo, um intérprete. Um magnífico intérprete que costuma fazer ques seus "comentários musicais" soem como composição. Mas, numa banda de três, um power trio (e Cream era O power trio) pouco adiantaria ter apenas um guitarrista lendário (a não ser que ele fosse Hendrix, hum.. capítulo dois). Aí vem a coisa da adequação né? O que valia para Ringo e Charlie vale aqui também, às avessas. Esta cozinha faz parte da lenda chamada Cream, qualquer outra aqui, provavelmente não teria criado a míriade de canções maravilhosas desta magnífica banda.

5. Sim, o Led Zeppelin sempre foi a banda de Jimmy Page, com algum espaço esporádico de destaque para os vocais de Plant. Uma vez li por aí (maldita web) que John Paul Jones havia sido questionado a respeito de um de seus discos solo se ele não achava que o som era "too much Led Zepp influenced". A resposta? "Don't you think Led Zepp's sound is too much John Paul Jones influenced?". Este cara era um músico de estúdio dos mais requisitados na swinging London dos sixties (por exemplo, ele arranjou e tocou aquelas partes de piano na psicostônica She's a Rainbow). Tecladista, foi chamado para assumir o baixo na nova banda que surgia e que ajudaria a tornar lenda ao lado do gigante baterista John Bonham. Olha, este cara era agressivo, e deve ser creditado a ele uns 58% da culpa pela invenção do heavy metal (bem, ele não sabia no que ia dar, não é?), mas Bonzo não era só isso. O Led gravou muita coisa de diferentes estilos e andamentos, e ele sempre teve muito suingue quando foi necessário. Testemunha quem ouvir o mais louco disco deles, Houses of the Holy.

6. Não posso deixar de citar a cozinha clássica do Yes: Chris Squire e Bill Bruford. Chris foi o primeiro cara que, bem, foi mais ou menos assim, eu escutava algum clássico do Yes e percebi "ei! tem alguém tocando uma outra coisa aqui!", e era o seu baixo. Bruford era baterista com cabeça (e mãos) de percussionista, sua abordagem não se limitava ao ritmo, chegava quase a ser melódico, preenchia espaços e os deixava livres na medida certa. Depois saiu do Yes para se aventurar na estranhíssima música do King Crimson e foi o cara que teve mais paciência para aturar Robert Fripp. Também tem trabalho solo, que eu, sinceramente, desconheço.

7. Destas bandas clássicas gosto também da cozinha do Queen (pronto, consegui citar a banda inteira), principalmente o batera Roger Taylor, que tem o estilo agressivo herdado de Bonham e Moon... O baixista John Deacon era um compositor esporádico (mas de tiro certeiro) e seu som começou a aparecer mais quando a banda incorporou influências mais pro lado do funk.

8. Uma cozinha, completamente diferente (do ponto de vista musical) mas clássica do ponto de vista social é a dos Wailers. Essa é a cozinha da Ruberley Boareto da Silva, no. 376, por onde a gente entrava na casa e acabava ficando por ali mesmo... A porta de entrada do reggae é mesmo a cozinha que funciona não só como ritmo, mas muitas vezes melodicamente. As linhas de baixo de Aston Familyman Barret não se limitam a repetir as linhas da guitarra em tom mais grave (até porque a guitarra do reggae é, basicamente, acordes tchaca-tchaca) e o acompanhamento da bateria de seu irmão, Calrton Barret, completam a fina mistura que sustenta a maravilhosa música de Bob Marley.

9. Com a chegada do punk, ser músico virtouso deixou de ser moda (aliás, ser músico de qualquer forma...). Mas uma banda que nasceu nesta época e quase fingiu ser punk (e que caiu fora quando viu que era roubada) e acabou inaugurando a new wave tem a melhor cozinha dos anos 80, e foi muito importante para o nosso roque-brasil aqui. Falo de Sting (aquele mesmo) e Stewart Copeland, baixo e batera do Police. O nome não ajuda mas os caras eram bons demais... Nesta banda, eles tinham até uma estrutura que lembrava o reggae, na medida em que as canções eram levadas principalmente pela seção rítmica, com menor ênfase na guitarra (também de primeira linha, diga-se de passagem, já me desculpo aqui por não ter citado Andy Summers no post sobre guitaristas) do que seria num power trio. O The Police era um Rhythm Trio, se é que isso faz algum sentido.

10. Então nós caímos direto em João Barone e Bi Ribeiro dos Paralamas porque a infuência daquela banda (Police) nessa é tão explícita (nos primeiros discos) que não precisaria nem ser comentada... Não há muito o que comentar aqui, é quase a mesma trajetória que a da banda inglesa, com a diferença de que a longevidade dos Paralamas os levou (também) a outros horizontes...

11. Das coisas mais atuais, olha, sinceramente, em tempos de mp4, download grátis, é muita informação!... É tanta que não dá tempo nem de processar direito, então tem muita coisa por aí, que a gente (leia-se: eu) não consegue passar muito da superfície. Dá pra surfar em muita coisa, mas mergulhar é cada vez mais difícil... Lembro de algumas coisas: gosto do Flea, baixista dos Red Hot Chilli Peppers, o som desta banda (que acho demais...) depende muito dele. O batera dos Black Crowes, Steve Gorman, tem um suingue fantástico e sustenta discretamente o som da banda. O mesmo pode ser dito a respeito de Glenn Kotche, baterista do Wilco. Nessa linha, lembro também da seção rítmica do ACDC (que não deve ser encarada aqui como parte da seção "atualidades"), que levada os caras tem! Quer dizer, não é nada demais, mas o som da banda está alicerçada naquela batida roquenrou incansável de bateria...

12. Sim, eu não comentei muitos nomes clássicos... Ian Paice do Deep Purple é o tipo do cara que agrega informação demais ao som da banda. Mas aqui funciona bem. Neil Peart, já me disseram, é o maior baterista de rock de todos os tempos. Fazer o que, se eu não sou muito fã de Rush? Sim, Nick Mason do Pink Floyd tem um som bem legal e gosto também da cozinha caipira e diversificada de The Band, o baixista Rick Danko e o baterista Levon Helm (além do que eram ótimos cantores).

13. Na música brasileira, a coisa é diferente. Talvez a tradição rítmica do samba, ou a harmônica da bossa-nova, sei lá, faz com que esses elementos não tenham a mesma dimensão. O que não quer dizer, de modo algum, que os músicos que executam estes instrumentos sejam, menores, pelo contrário! Eu quero dizer: a boa (excelente) cozinha brasileira é a regra! Bem, em termos de rock nacional temos Liminha e Dinho (baixo e bateria dos Mutantes). Dos oitenta, já citei e não preciso repetir: os cozinhas do Sucesso... Na virada pros anos noventa aconteceu uma coisa legal: as bandas começaram a incorporar percussionistas. O Barão Vermelho, das clássicas, foi a primeira o que culminou no excelente disco de '88, Carnaval. Também na banda de Cássia Eller, com Lanlan e Thamyma Brasil, duas percussionistas que não deixavam a peteca cair... E finalmente a cozinha a lenha da Nação Zumbi, que no primeiro disco usou só os tambores de Maracatu mas que a partir do segundo conseguiu agregar de maneira sensacional uma clássica bateria em sua massa sonora...

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