quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Pilotando a máquina

Bem, já foi falado sobre a guitarra, a voz e a cozinha... Falta agora o complemento harmônico (não-obrigatório) do rock em barailaique. Na verdade, a presença do teclado na história do rock é tão antiga quanto o próprio...

No tempo dos pioneiros, Little Richard e Jerry Lee Lewis demoliam (em) seus pianos. Aliás, eles tinham postura muito mais rock'n'roll que Elvis ou Chuck Berry. Mas, convenhamos, piano é um trambolho enorme, e provavelmente tem um na casa da sua avó, de uma tia distante ou de algum estabalecimento de mesma estirpe.

Anos 50, huuuum, veja bem: a guitarra elétrica, novidade total, nego toca em pé, dançando, rebolando e chacoalhando. Piano é aquilo (voltar ao parágrafo anterior...), ainda que os supracitados pianistas dançassem, rebolassem e chacoalhassem... Rock'n'roll é (também) imagem. Desde o princípio. E assim o piano foi relegado a segundo (terceiro, quarto...) plano.

Veja os Stones por exemplo. A auto-intitulada maior banda de rock de todos os tempos. Eram 6 os Stones até a data de assinatura do contrato com a DECCA, quando foram convencidos de que Ian Stu Stewart era "muito velho" (e muito pianista!) para ser membro oficial da banda. Foi elegantemente rebaixado a músico de apoio. Mas sempre esteve lá. Ele, ou outro tecladista, Nicky Hopkins, Billy Preston, Chuck Leavell, entre tantos...

Mas os teclados sempre tiveram por ali, rondando o rock'n'roll e chegaram mesmo a ensaiar um golpe de retomada de poder com o prog-rock, mas o contra-golpe veio rápido com o punk! rock...

Os Beatles jamais desprezaram a presença de um bom piano em suas músicas (pós iê-iê-iê), fosse pelas mãos de Paul ou de George Martin, tanto quanto pela presença do inesquecível Billy Preston, que tocou como convidado em algumas faixas, notadamente naquelas do teto da Apple. O mesmo Billy que tocou em diversos discos dos Stones, com os quais tem faixas fantásticas como I Got the Blues e Melody.

Ah é? E que tal Ray Charles, que tinha verdadeiros riffs de teclado como em What'd I Say. Ou Stevie Wonder, com toda aquela música maravilhosa dedicada ao teclado... Bem, na música negra americana isso vem da igreja, do gospel direto para o que viria a ser a soul music.

A verdade é que os teclados oferecem um contraponto melódico à guitarra, além de uma outra possibilidade sonora que as bandas dos anos 60 (principalmente com a psicodelia) adoravam. Os tecladistas Alan Price e Ray Manzarek por exemplo, eram figuras centrais para a música dos Animals e the Doors. Al Kooper era figura carimbada e muito querido pelos Stones, Dylan (é dele aquele orguinho crássico de Like a Rolling Stone) e Hendrix. Era músico que ia muito além do rock, e fundou uma banda fantástica, os Blood Sweat and Tears. O mesmo se pode dizer do multi-instrumentista (e principalmente tecladista) Steve Winwood, do Traffic. Quando o Traffic ficou sem o guitarrista Dave Mason, ele nem deu bola e seguiu com um improvável power trio sopro/bateria/teclado com eventuais toques de guitarra nos dois melhores discos da banda. Fez parte com Clapton (que queria incorporá-lo ao Cream, algo que os outros dois não acharam boa idéia) do lendário Blind Faith e tocou com Hendrix em Electric Ladyland. Menos conhecido, Ian McLagan começou com o Small Faces e seguiu com Wood e Stewart nos Faces. Seu tecladinho era essencial...

Órgao Hammond B-3 e amplificador Leslie


Mesmo as bandas que faziam um rock mais agressivo, o heavy metal do Led Zeppelin por exemplo contava com os teclados de John Paul Jones para dar uma variada de vez em quando. Mas emblemático mesmo é o som do Deep Purple. Arrisco-me a dizer que, sem o tecladista Jon Lord, aquilo não teria ido além do primeiro compacto (por melhores que fossem os outros músicos). Ele é meu músico favorito nesta banda, é o toque de originalidade que tornou o som do Purple uma coisa única, pilotando seu órgão Hammond plugado num Leslie amp (parece que ele usava um pedal de distorção naquele bicho!). Até mesmo o Black Sabbath quando ficou sem saída criativa chamou Rick Wakeman, tecladista do Yes, para tocar em Sabbath Bloddy Sabbath. Yes que dependendo do tecladista mudava a sonoridade. Com Tony Kaye, da primeira geração, o som era mais rock (ele ainda voltaria nos anos 80 à banda, que voltou ao pop rock). Com Wakeman, era mais clássico e com Patrick Moraz foi mais jazz... O The Who também incorporou, aos poucos, de maneira muito inteligente e criativa som malucos de teclados e sintetizadores em sua sonoridade. Até mesmo o Rush incluiu a partir de certa etapa o som da tecladeira... E o saudoso Rick Wright (the Great Gig in the Sky....), falecido tecladista de uma das banas mais populares de todos os tempos, o Pink Floyd? Quantos dos momentos sublimes desta banda devemos a ele?

Claro que o rock progressivo foi um abuso, a era do exagero. Mas ficou muita coisa dali. E uma delas é o teclado que veio pra ficar e passando pela new wave dos anos 80 (Duran Duran com aquele som absolutamente sintético), desembocou no techno e música eletrônica dos anos 90 e 00. Mas ainda teve muita gente apoveitando o sonzinho maneiro do teclado sem tornar isso uma obsessão. O Police dos dois últimos discos (os mais legais deles!) incorporou piano e teclado. David Bowie sempre usou de maneira brilhante. Até o U2!? E mesmo as boas bandas de reggae não dispensam esse sonzinho maneiro...

Moog: os primórdios do sintetizador.

Lembro também o som maneiro do R.E.M., e até mesmo o Pearl Jam que não dispensa os teclados do músico de apoio, bem como o João Fera dos Paralamas... Os Black Crowes com sua sonoridade retrô, é claro, não poderiam deixar de ter um tecladista de primeiríssima (Eddie Harsch, depois substituído). E que tal Wilco, que tem não só um, mas dois tecladistas?!

E para desespero dos meus leitores itabunenses: Queen e seus "pianinhos de teatro"... Aqui o som era de piano mesmo. Essencial. Senão o Queen seria só mais uma banda de Heavy Metal... Bohemian Rhapsody, Somebody to Love são músicas de piano. Engraçado é que até o disco The Game de 1980, a banda se orgulhava de não usar sintetizador (and nobody played synthesizer, vinha escrito sempre nos créditos).

É claro que, para a MPB essa "dificuldade" não existe. A começar pelo fato de que o maestro soberano era da área e fazia subir frequetemente o piano pra mangueira. Mas, mesmo o nosso pop sempre foi aberto ao teclado. Começando com os teclados de Arnaldo Dias Baptista nos Mutantes, ele seguiu com Rita Lee no Tutti-Frutti até pra sempre no seu feliz casamento (musical) com Roberto de Carvalho. Nas bandas dos oitenta, Paralamas começou sem, mas incorporou já no terceiro (e essencial) álbum, Selvagem. Titãs e Barão, nunca dispensaram. Cássia Eller tinha tecladista na banda, bem como os Infernais de Nando Reis e as bandas da artistas como Lenine e Zeca Baleiro. No manguebit (prefiro a grafia original), Nação Zumbi não tinha mas Bactéria aciona os botõeszinhos no Mundo Livre S.A.


Mellotron: sonho de consumo. Cada tecla aciona uma nota de um instrumento pré-gravado em fita magnética. Foi assim que John Paul Jones tocou flauta em Stairway to Heaven...

Pato Fu também incorporou e o disco novo da Céu é um brinde ao teclado retrô, um desfile de sonoridades antiquadas misturadas com maestria. Provável influência da banda do guitarrista Fernando Catatau que produziu (também) o último do Arnaldo (que sempre teve teclado em sua banda) com aqueles tecladinhos Jovem Guarda...

Enfim, as coisas se reciclam. E ás vezes eu penso: graças a deus!

[M]

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