terça-feira, 13 de julho de 2010

A cozinha de barailaique

Eu pensei em fazer uma graça, intitulando o post como "a cozinha refinada de barailaique", mas caí na real. Até porque, a boa cozinha nem precisa ser refinada, vamos e venhamos.

E a cozinha do rock'n'roll estará, em geral, longe disso. Não, não pretendo fazer um post sobre receitas e dicas culinárias, nem mesmo nomes de restaurantes ou bares que servem sanduíches com nome de gente famosa.

Cozinha = baixo + bateria, ok? É disso que se trata, e eu espero estar fazendo uma das minhas últimas listas. No princípio, lá nos anos 50, o que interessava era a música. Os anos 60 viram surgir a (eterna) era da guitarra e aos, poucos, os virtuoses de outros instrumentos, baixo e bateria, começaram a se tornar obrigatórios. A partir da seunda metade dos sixties tornou-se praticamente regra incluir um solinho (nem sempre "inho") de bateria nos discos...

1. Até mesmo Ringo Starr gravou um solo de bateria em Abbey Road. Bem, era Ringo Starr... Mas este dispensável (apesar de divertido, quase paródico) momento não é o que o traz aqui. A cozinha dos Beatles era simplesmente fantástica! Muito se deve ao baixista técnico, melódico e criativo: o velho Macca começou como guitarrista antes deles decidirem mandar Stuart Sutcliffe embora, e era ainda por cima, compositor de mão cheia. McCartney nunca se limitou a uma abordagem rítmica do seu baixo, frequentemente ele agregava linhas melódicas surpreendentes, enquanto que Ringo, bem, Ringo era o cara que não deixava a peteca cair enquanto os outros estvam pirando. Seus grandes momentos como baterista estão no descendo a lenha de Tomorrow Nevers Knows e num espetáculo de sensibilidade e adapatação que é a bateria de A Day in the Life.

2. Charlie Watts e seu kit mínimo de tambores dificilmente é ídolo de algum baterista. Mas ninguém mais poderia ser o baterista dos Stones, só mesmo Charlie. Ele é o cara que gosta de levar seu som a partir de uma abordagem mínima, sem vale-tudo, agregando-se à música sem desfigurá-la. Honky Tonk Women é o exemplo da levada ideal de Charlie. Os Stones soariam ridículos com um baterista tipo Ian Paice. Seu colega de cozinha chama a atenção pela total discrição. Bill Wyman era o cara que poderia nem ter estado ali, e talvez ninguém sentisse a falta do seu baixo.

3. Dentre as cozinhas pioneiras da british invasion dos anos sessenta talvez a melhor, ou pelo menos, a mais violenta seja fornecida por Keith Moon e John Entwistle, batera e baixo do The Who. Keith foi o primeiro animal da bateria, provavelmente a maior inspiração para o personagem dos Muppet's... John tinha uma postura discreta no palco, mas era extremamente técnico e sabia fazer o contraponto ou acompanhamento da agressividade de seu colega de cozinha (no clássico My Generation, John dá um show!).

4. Claro: Jack Bruce e Ginger Baker. A cozinha do primeiro supergrupo de rock. O primeiro e o melhor de todos. Não é o caso de dizer "ah, mas eles tinham Clapton!". A excelente música do Cream dependia tanto do deus da guitarra, quanto da cozinha onde ele(s) preparava(m) suas poções. Lembremos: E.C. é, acima de tudo, um intérprete. Um magnífico intérprete que costuma fazer ques seus "comentários musicais" soem como composição. Mas, numa banda de três, um power trio (e Cream era O power trio) pouco adiantaria ter apenas um guitarrista lendário (a não ser que ele fosse Hendrix, hum.. capítulo dois). Aí vem a coisa da adequação né? O que valia para Ringo e Charlie vale aqui também, às avessas. Esta cozinha faz parte da lenda chamada Cream, qualquer outra aqui, provavelmente não teria criado a míriade de canções maravilhosas desta magnífica banda.

5. Sim, o Led Zeppelin sempre foi a banda de Jimmy Page, com algum espaço esporádico de destaque para os vocais de Plant. Uma vez li por aí (maldita web) que John Paul Jones havia sido questionado a respeito de um de seus discos solo se ele não achava que o som era "too much Led Zepp influenced". A resposta? "Don't you think Led Zepp's sound is too much John Paul Jones influenced?". Este cara era um músico de estúdio dos mais requisitados na swinging London dos sixties (por exemplo, ele arranjou e tocou aquelas partes de piano na psicostônica She's a Rainbow). Tecladista, foi chamado para assumir o baixo na nova banda que surgia e que ajudaria a tornar lenda ao lado do gigante baterista John Bonham. Olha, este cara era agressivo, e deve ser creditado a ele uns 58% da culpa pela invenção do heavy metal (bem, ele não sabia no que ia dar, não é?), mas Bonzo não era só isso. O Led gravou muita coisa de diferentes estilos e andamentos, e ele sempre teve muito suingue quando foi necessário. Testemunha quem ouvir o mais louco disco deles, Houses of the Holy.

6. Não posso deixar de citar a cozinha clássica do Yes: Chris Squire e Bill Bruford. Chris foi o primeiro cara que, bem, foi mais ou menos assim, eu escutava algum clássico do Yes e percebi "ei! tem alguém tocando uma outra coisa aqui!", e era o seu baixo. Bruford era baterista com cabeça (e mãos) de percussionista, sua abordagem não se limitava ao ritmo, chegava quase a ser melódico, preenchia espaços e os deixava livres na medida certa. Depois saiu do Yes para se aventurar na estranhíssima música do King Crimson e foi o cara que teve mais paciência para aturar Robert Fripp. Também tem trabalho solo, que eu, sinceramente, desconheço.

7. Destas bandas clássicas gosto também da cozinha do Queen (pronto, consegui citar a banda inteira), principalmente o batera Roger Taylor, que tem o estilo agressivo herdado de Bonham e Moon... O baixista John Deacon era um compositor esporádico (mas de tiro certeiro) e seu som começou a aparecer mais quando a banda incorporou influências mais pro lado do funk.

8. Uma cozinha, completamente diferente (do ponto de vista musical) mas clássica do ponto de vista social é a dos Wailers. Essa é a cozinha da Ruberley Boareto da Silva, no. 376, por onde a gente entrava na casa e acabava ficando por ali mesmo... A porta de entrada do reggae é mesmo a cozinha que funciona não só como ritmo, mas muitas vezes melodicamente. As linhas de baixo de Aston Familyman Barret não se limitam a repetir as linhas da guitarra em tom mais grave (até porque a guitarra do reggae é, basicamente, acordes tchaca-tchaca) e o acompanhamento da bateria de seu irmão, Calrton Barret, completam a fina mistura que sustenta a maravilhosa música de Bob Marley.

9. Com a chegada do punk, ser músico virtouso deixou de ser moda (aliás, ser músico de qualquer forma...). Mas uma banda que nasceu nesta época e quase fingiu ser punk (e que caiu fora quando viu que era roubada) e acabou inaugurando a new wave tem a melhor cozinha dos anos 80, e foi muito importante para o nosso roque-brasil aqui. Falo de Sting (aquele mesmo) e Stewart Copeland, baixo e batera do Police. O nome não ajuda mas os caras eram bons demais... Nesta banda, eles tinham até uma estrutura que lembrava o reggae, na medida em que as canções eram levadas principalmente pela seção rítmica, com menor ênfase na guitarra (também de primeira linha, diga-se de passagem, já me desculpo aqui por não ter citado Andy Summers no post sobre guitaristas) do que seria num power trio. O The Police era um Rhythm Trio, se é que isso faz algum sentido.

10. Então nós caímos direto em João Barone e Bi Ribeiro dos Paralamas porque a infuência daquela banda (Police) nessa é tão explícita (nos primeiros discos) que não precisaria nem ser comentada... Não há muito o que comentar aqui, é quase a mesma trajetória que a da banda inglesa, com a diferença de que a longevidade dos Paralamas os levou (também) a outros horizontes...

11. Das coisas mais atuais, olha, sinceramente, em tempos de mp4, download grátis, é muita informação!... É tanta que não dá tempo nem de processar direito, então tem muita coisa por aí, que a gente (leia-se: eu) não consegue passar muito da superfície. Dá pra surfar em muita coisa, mas mergulhar é cada vez mais difícil... Lembro de algumas coisas: gosto do Flea, baixista dos Red Hot Chilli Peppers, o som desta banda (que acho demais...) depende muito dele. O batera dos Black Crowes, Steve Gorman, tem um suingue fantástico e sustenta discretamente o som da banda. O mesmo pode ser dito a respeito de Glenn Kotche, baterista do Wilco. Nessa linha, lembro também da seção rítmica do ACDC (que não deve ser encarada aqui como parte da seção "atualidades"), que levada os caras tem! Quer dizer, não é nada demais, mas o som da banda está alicerçada naquela batida roquenrou incansável de bateria...

12. Sim, eu não comentei muitos nomes clássicos... Ian Paice do Deep Purple é o tipo do cara que agrega informação demais ao som da banda. Mas aqui funciona bem. Neil Peart, já me disseram, é o maior baterista de rock de todos os tempos. Fazer o que, se eu não sou muito fã de Rush? Sim, Nick Mason do Pink Floyd tem um som bem legal e gosto também da cozinha caipira e diversificada de The Band, o baixista Rick Danko e o baterista Levon Helm (além do que eram ótimos cantores).

13. Na música brasileira, a coisa é diferente. Talvez a tradição rítmica do samba, ou a harmônica da bossa-nova, sei lá, faz com que esses elementos não tenham a mesma dimensão. O que não quer dizer, de modo algum, que os músicos que executam estes instrumentos sejam, menores, pelo contrário! Eu quero dizer: a boa (excelente) cozinha brasileira é a regra! Bem, em termos de rock nacional temos Liminha e Dinho (baixo e bateria dos Mutantes). Dos oitenta, já citei e não preciso repetir: os cozinhas do Sucesso... Na virada pros anos noventa aconteceu uma coisa legal: as bandas começaram a incorporar percussionistas. O Barão Vermelho, das clássicas, foi a primeira o que culminou no excelente disco de '88, Carnaval. Também na banda de Cássia Eller, com Lanlan e Thamyma Brasil, duas percussionistas que não deixavam a peteca cair... E finalmente a cozinha a lenha da Nação Zumbi, que no primeiro disco usou só os tambores de Maracatu mas que a partir do segundo conseguiu agregar de maneira sensacional uma clássica bateria em sua massa sonora...

[M]

2 comentários:

  1. novidade pra mim essa estória de cozinha como música, mas a verdade é que é um astral escutar um sound na cozinha.. aqui em casa o melhor som fica lá, alegrando a população da 22 mountain ave.
    e eu tava me segurando... mas agora você tocou nessa coisa de baixo, reggae e não citou o nando reis - baixista vindo da linhagem mais pura e direta do reggae? outro que é legal também é o dadi...
    adorei a tua cozinha!
    déa

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  2. Você veja aí como são os atalhos da nossa memória... Eu nem lembrava que o Nando Reis tinha sido baixista um dia! Já o Dadi cai na descrição geral da música brasileira, né?

    Outro baixista das antigas é o Beto Guedes, que tocou no Clube da Esquina (e nos discos dele mesmo, é claro). Mas, não foi o toque do seu baixo que o destacou, não é verdade?

    [M]

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