quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Old Brown Shoe

Sabe aquele velho sapato, aquela velha calça jeans que já tá fininha, ou aquela camiseta antiga que ainda teima em lhe cair bem? Pois é assim que soa pra mim a música do mais místico e tímido dos Beatles, o grande guitarrista, cantor e compositor George Harrison.



Talvez o segredo da música de George Harrison seja o fato de que este é um cantor de poucos hits, uns três ou quatro no máximo. Paradoxal, não é mesmo? Afinal, o universo pop é quase que o universo dos tais hits...

Mas para quem é aficiccionado mesmo por música, aquele pessoal que acorda ouvindo música e vai dormir ouvindo música, é muito legal ter um cara desses, que faz um som que não enjoa. Mesmo as músicas mais manjadas como Something, Here Comes the Sun e Sweet Lord, ou a magnífica While My Guitar Gently Weeps (uma das melhores de todos os tempos), você pode ouvir e se arrepiar como se tivesse as escutando pela primeira vez. As melodias são belas sem serem óbvias, os arranjos extremamente originais e de bom gosto e a execução, sempre impecável. Começando pela sua abordagem do instrumento, a guitarra nas mãos de George é tratada com devoção. Mais do que a mulher amada, a guitarra em suas mãos é um filho ou filha ainda criança, que requer atenção, carinho e dedicação. Ele sempre tocou de maneira suave, com agressividade quase zero, privilegiando a palhetada precisa e os saltos de corda (como em If I Needed Someone, ou mesmo na já citada Here Comes...). Sua abordagem do slide jamais se prendeu ao blues, como é típico dos guitarristas de rock. Aliás, a única ligação dele com o blues é a amizade em comum com Eric Clapton, fora isso, George era mesmo fã de Carl Perkins antes de se tornar uma espécie de embaixador da música indiana no mundo pop do ocidente.



As letras de suas música dificilmente iam na direção do trinômio básico do rock: mulheres, drogas e carros. Não que essas coisas não faziam parte de seu universo, apenas que elas não apareciam com tanta frequência na música, que era mais dedicada a viagens existenciais e espirituais. Musicalmente falando também havia outras coisas além dos três acordes, a revolta e a gritaria aqui. Talvez fosse George o menos roqueiro dos roqueiros? 

Mas o melhor mesmo em George Harrison são as pérolas escondidas... If I Needed Someone, Old Brown Shoe, The Inner Light, Taxman (pra se restringir apenas ao repertório dos Beatles) ou os magníficos álbuns solo All Things Must Pass e Living in the Material World. 

Neste sentido, o show em sua homenagem, o Concert for George, comandado pelo amigo Eric é sublime: "we' re here to celebrate the life and music of George Harrison". Cumprido à risca o prometido, mais que o desfile de estrelas, o show é um desfile de canções, onde, bem, você pode ter uma preferência aqui outra ali, mas é todo ele uma celebração mesmo, emocionada e emocionante de um conjunto maravilhoso de canções. Pessoalmente acho as participações de Billy Preston o ponto alto (principalmente em Isn't it a Pity, canção menos conhecida do álbum triplo que marcou o fim dos Beatles), acho que ele era uma espécie de parceiro espiritual de George. A entrada de Paul no final, onde divide a execução de Something e While my Guitar com Eric também é de tirar o fôlego, e a participação de artistas menos conhecidos como Gary Brooker e Albert Lee também é a cara do homenageado...



Enfim, a música de George Harrison não é muito festiva e foge dos maiores clichês do rock'n'roll... 

Mesmo assim...

AILAIQUÊÊÊ!!!!!!

[M]

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Novos Tempos?

Dia desses tava ouvindo o ótimo disco (novo) de Ian Brown. Na verdade parece ser uma coletânea reunindo o melhor do trabalho solo do vocalista dos Stone Roses. O álbum chama The Greatest e não traz muita informação. Vai na linha minimista, encartes com fotos bacanas, mas informação zero. Afinal o que vale é a música, não? Bem, esta é afinal a geração mp3, bem diferente da geração bolachão...


O encarte super informativo de the Greatest. Tudo bem, é bonito...


Bem, para dizer que os Stone Roses foram um descoberta bem tardia minha. Formada no final dos 80/início dos 90 em Manchester pelo vocalista Ian Brown, dono de uma voz meio esfaqueada, timbre cortante, canta meio falado e as palavras saem uma por uma sem embolar (o que me leva a crer que o cara deve odiar Mick Jagger), e o guitarrista John Squire (que imagino não ter parentesco algum com o velho Chris, baixista do Yes...), excelente ritmista e de muito bom gosto na escolha de timbres e efeitos. Nesta época estava eu preocupado demais com o "lixo noventista" e me recusava a ouvir coisas novas, não queria macular o puro som do rock'n'roll dos 60 que entrou pelos 70 arrebentando, e pelos 80 já perdendo totalmente o gás.


E o tempo é o senhor da razão. Pra não deixar de ser teimoso, eu passei boa parte dos anos 00 descobrindo os tesouros escondidos nos 90... É muito engraçado porque meus alunos na faixa de 18/20 anos desfilam por aí, orgulhosos com suas camisetas do... Led Zeppelin???? Uma pesquisa rápida na sala de aula mostrou ser essa a banda favorita, ao lado de outras novidades como AC/DC e, pasmem, os Beatles. Nada contra, acho ótimo que tenham este bom gosto, mas quando eu citei os White Stripes ou Lady Gaga, ninguém levantou o braço.


Engraçado é que, mesmo das antigas, as bandas inglesas continuam fazendo a cabeça das novas gerações. E como o rock britânico e o americano são diferentes! No começo, os ingleses importaram o blues e o rock negro americano, reciclaram, e devolveram revigorado e, é claro, principalmente: branco. Beatles, Stones, Who, Animals e outros pioneiros faziam praticamente rock americano até meados dos 60 quando o jeito inglês parece que veio à tona. LSD, roupas coloridas, a pílula... talvez a assimilação destes no velho continente tenho sido mais ligeira e malandra que na América, ainda preocupada com Guerra Fria e outros fantasmas. O psicodelismo é basicamente rock inglês. Não há como negar, e os frutos estão aí até hoje. O rock americano parece mais preso às suas raízes, a um certo purismo (ainda que alguns artistas ingleses sejam entusiastas da idéia, como Clapton, por exemplo). O rock inglês é mais solto, livre e descompromissado. Na ilha nasceram, além do psicodelismo, o heavy metal, o prog-rock, o punk, a new wave (ok, o grunge é, essencialmente americano. Assim como o rap). Os melhores artistas americanos tocam uma música extremamente tradicional (e boa). Incluo aí, os canadenses Neil Young e a The Band. Dylan e outros folks semelhantes (Crosby e Stills). A banda dos irmãso Allman e até mesmo o pessoal da costa oeste, Grateful Dead, Jefferson Airplane e mesmo Credence Clearwater Revival. Enquanto o rock americano vem de trator aditivado com Bourbon, o inglês tem aquele ar de neblina, chuva e bolor (e aqui parece residir a diferença fundamental)

A ensolarada pose dos americanos Crosby, Stills e Nash (tudo bem, Nash é inglês),
enquanto na ilha os Stones vão passando aquele frio...



Talvez os mais libertários entre os artistas americanos tenham sido Hendrix, The Doors, Lou Reed e o pessoal de NYC, Talking Heads e a galera do Grunge (bem, o que dizer então de Frank Zappa?). Libertários em relação a estas tradições, a estas raízes. Já na ilha, o troço é diferente. Eles não precisam respeitar estas raízes, pois não são deles. O som da ilha me parece mais descompromissado e mais disposto a incorporação de novidades. Bob Marley e os Wailers ali no caribe, tão pertinho da América, voaram para a ilha antes de estourar comercial e internacionalmente. Até mesmo Hendrix teve que sair dos EUA e montar uma banda inglesa para depois reconsquitar seu próprio país. Enfim...


O mais engraçado é que (parte d')essa geração do MP3 tá de olho (e ouvidos) lá nos 60's e 70's... Um outro aluno veio todo orgulhoso me contar que faltaria a uma aula na sexta porque estava indo ao show do Rush! E você vai no show certo de encontrar uma bando de carecas ou grisalhos barrigudos e quando percebe está no meio da maior moçada... Acho que isso dá um certo estilo pra gente sabe? algo como, olha eu não tô ouvindo o que tá tocando por aí, eu tô é com a velha e boa guarda... Naqueles (nossos) tempos era mais complicado, rádio quase não tocava, tinha que ser disco ou fita gravada de alguém. Hoje, na era do MP3 o aceso é total a tudo, é de ficar tonto.


Só espero que daqui uns anos meus alunos comecem a ouvir os
Stones Roses, Primal Scream, Kula Shaker, as grandes bandas inglesas dos 90. Sem esquecer coisas mais eletrônicas como Morcheeba, Masive Attack e Portishead. Quanto aos americanos, sejam eles os super-retrô Black Crowes (minha banda americana favorita) ou o supreendente Mark Sandman e seu Morphine, espero que eles também descubram e desfrutem. Nunca é tarde demais...

[M]