terça-feira, 10 de novembro de 2009

Cordas, caixas e bobinas: som

Desde a invenção dos primeiros instrumentos a que se costumou chamar guitarra, num longínquo século XVI, uma das maiores preocupações dos artesãos que construíam estes instrumentos era amplificar o som. Os instrumentos de cordas produzem sons devido à vibração destas, e uma corda vibrando costuma produzir um som de pequeno volume, ao contrário por exemplo de uma membrana (de um tambor) vibrando. Desta forma, a música que vem de um intrumento de corda é melhor ouvida se este intrumento dispõe de algum dispositivo para amplificar o som produzido pela sua vibração.

Nada mais simples que imitar a natureza, se a voz humana, produto das vibrações das cordas vocais, pode ser ouvida graças à amplificação produzida pela caixa torácica, a guitarra dos séculos XVI e XVII acoplava ao conjunto de cordas uma caixa de ressonância que tinha exatamente este objetivo. E esta invenção, cordas e caixa de ressonância persiste no que chamamos de violão até hoje. Antonio de Torres, um sevilhano do início do Século XIX estabeleceu o desenho e a estrutura daquilo que conhecemos hoje como violão clássico (ou espanhol, ou flamenco). O desenho da caixa e toda a estrutura interna, com diversos filetes de madeira que conferem apoio ao tampo da caixa e seus nuances foram pensados com um só objetivo: amplificar o som produzido pela vibração das cordas.


O violão folk, ou violão americano tem como diferenças básicas as cordas de aço (ao invés das de náilon) e um desenho mais bojudo, gorducho na parte de trás e reto, não tem a forma suave e feminina do violão de Torres, seu desenho é feito para ressaltar os graves, ainda que o uso das cordas de aço confiram um timbre mais estridente aos tons agudos.


Tanto numa forma quanto noutra, o instrumenento parecia destinado a soar sozinho ou com companhia muito seleta, voz, percussão suave ou qualquer coisa pouco barulhenta, por um motivo simples: seu som é baixo e fica difícil ouvir um violão numa orquestra (Rodrigo com seu Concierto de Aranjuez foi teimoso e conseguiu um resultado magnífico). E aqui então entra em cena o elemento fundamental na história do rock e por conseguinte na história de toda a música popular produzida na segunda métade do século XX: o captador magnético.

Antes de sua invenção, um dispositivo engenhoso de amplificação do som de uma guitarra (acústica, totalmente) foi concebido para as chamadas guitarras ressonantes, das quais a National Guitar e a Dobro (Dopyera Brothers) são as mais conhecidas. A National Guitar é um violão feito de aço enquanto que o Dobro é de madeira com uma peça central metálica sobre o topo da caixa. O princípio de funcionamento das duas é o mesmo: a vibração das cordas é transmitida pela ponte a um cone interno de metal (ver figura abaixo, sem a tampa nem as cordas) que funciona como um alto-falante, amplificando o som. O disco dos Dire Straits de '86 popularizou sua imagem, ainda que não tenha popularizado seu som, infelizmente.

Este tipo de instrumento tem um parente brasileiro que é a chamada viola dinâmica. Este instrumento, ao contrário da National/Dobro tem 10 cordas (5 pares de cordas oitavadas) como uma viola caipira e é típica dos cantadores de rua nordestinos. Helena Meirelles, a falecida violeira do Pantanal costumava tocar uma destas (foto abaixo).


Entretanto havia um clamor dos músicos por um instrumento de cordas que pudesse competir em volume com os instrumentos de sopro, típicos de qualquer banda de jazz e aí, não havia sistema de ressonância que desse conta: o processo de amplificação do som originado das cordas vibrando tinha que passar por outro canal...

ELETRICIDADE!... Como a voz humana pode ser amplificada usando-se um microfone acoplado a um amplificador, o de um violão também poderia... O uso do microfone no caso do violão limitava um pouco (muito!) a movimentação do músico e assim nasceu o captador. O captador é um conjunto de imãs (um para cada corda do instrumento) imantados por uma bobina. A idéia de seu funcionamento é simples: esses imãs geram, cada um, um campo magnético. A corda vibrando distorce o campo magnético gerado pelo seu imã correspondente, e assim o som está "captado", sendo desta forma transmitido elétricamente para o amplificador, e aí meu caro, quem manda é o botãzinho: pimba! entra em cena (na década de 30) a guitarra elétrica!

As primeiras guitarras elétricas eram do modelo havaiano, o que hoje é conhecido como lap steel e é tocada deitada sobre o colo com a mão que normalmente executa os acordes (a esquerda para os destros) segurando uma barra metálica que faz deslizar suavemente sobre as cordas enquanto a outra mão dedilha as cordas. A Rickenbacker Frying Pan é conhecida como a primeira guitarra elétrica construída. Curiosamente o modelo havaiano foi muito popular nos Estados Unidos nesta época, mais do que a guitarra que conhecemos hoje.

No princípio as guitarras elétricas eram pouco mais que um violão equipados com um captador elétrico, mas foram evoluindo ao longo dos anos e ao guitarrista Les Paul é creditada a invenção da guitarra de corpo sólido, uma vez que esta era, até então, um misto de acústica com elétrica, e a idéia de Les Paul era criar uma guitarra que fosse estritamente elétrica, sem caixa de ressonância nenhuma. Ele levou (em 1941) o protótipo chamado "Log" para a Gibson, que já era nessa época mega-fabricante de violões e guitarras.


Por incrível que pareça, a Gibson não se interessou! E se hoje já estamos carecas de ver o modelo Gibson Les Paul (cráááássssssico!, acima) isso deve-se a um conjunto inusitado de fatores. Em 1947, um músico de country chamado Merle Travis encomendou ao luthier Paul Bigsby uma guitarra de corpo sólido e em 1950 um técnico em eletrônica que consertava rádios chamado Leo Fender aliado ao projetista George Fullerton estabelecem outro marco na história da guitarra: a produção em série (até então as guitarras eram produzidas artesanalmente). Nascia a Fender Broadcaster (hoje conhecida como Telecaster, a guitarra mais linda do planeta em todos os tempos, penso eu, confira abaixo) e uma das marcas mais famosas do mundo ao lado da Gibson (que depois dessa, saiu correndo atrás de Les Paul e tratou de industrializar o modelo clássico que leva seu nome até hoje).


Daí pra frente o rock se esbaldou e a música do século XX nunca mais foi a mesma. O formato básico baixo, guitarra e bateria foi abraçado pelos jovens dos anos 50, levado em frente nos anos 60 e está aí até hoje.

Graças à eletricidade.
[M]

4 comentários:

  1. mas têm os que ainda insistem em usar violão no rock, não? e sai um baita dum rockão bão...
    super legal mesmo teu texto!
    andréa

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  2. Tem certeza que Merle Travis construiu guitarras? Ele era guitarrista.

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  3. Caro leitor! Gracias pelo comentário!... Eu troquei Merle Travis e Paul Bigsby de papel... Você tem razão, foi o músico de country Merle Travis quem encomendou a guitarra ao luthier Paul Bigsby... Já vou corrigir o texto...
    [M]

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  4. Aprendo muito nesse blog, mas por acaso estou estudando Merle Travis (difícil) e daí estar mais familiarizado que a maioria.

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