quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Porque os Stones não acabaram?

Os motivos que não levaram ao fim da autoproclamada "maior banda de rock de todos os tempos" obviamente não tem nada a ver com os motivos que levaram ao fim a melhor banda de rock de todos os tempos... É só que um assunto puxa o outro, e aí já viu, né? Prato cheio para o blogueiro.


Talvez os Stones já soubessem, desde o início, que eles não seriam imortais. O primeiro álbum dos Stones data de 1964 e é basicamente um disco de covers de blues e rhythm'n'blues de artistas americanos que, muy provavelmente, pouca gente conhecia na Inglaterra nesta época. Enquanto isso, os Beatles estavam no auge do iê-iê-iê, com I Wanna Hold Your Hand e o filme A Hard Day's Night. Se você ouvir os dois discos de 64, o dos Beatles soará ridículo enquanto que o dos Stones parece uma pérola nascente do british rock. Mas ninguém ligava pra eles. Os Stones eram uma espécie de Mr. Hyde dos Beatles. E ainda mais que, a partir de 66, com Rubber Soul, os Stones ficaram comendo poeira, pois os Beatles dispararam na frente. Mas isso não importa. Nem os Stones nem ninguém tinha a pretensão de competir com os Beatles, ao invés disso, aproveitaram o comboio que a beatlemotiva liderava e começaram a colher seus frutos, vendendo discos, excursionando pela terra do tio Sam e aos poucos criando uma identidade.

Satisfaction é a primeira experiência autoral independente (do som dos Beatles) com que Jagger e Richards nos brindaram, isso, em 1965. Bom começo. Ótimo começo. Mas não teve continuidade. Nos anos seguintes, mesmo com bom discos, Aftermath ('66) e Between the Buttons ('67) e com um single fantástico de chamado Paint it Black ('66) eles ainda estavam na esteira dos Beatles, misturando psicodelia, arranjos orquestrais e roquenrou.

Então, em 1967, eles lançaram um single chamado Jumpin' Jack Flash, e aí, Mr. Hyde abandonou Dr. Jekyll de vez.
Jumpin' Jack Flash é crua e suja na instrumentação e agressiva na temática da letra. É quase a mesma história que Chico Science canta em banditismo por necessidade, banditismo por uma questão de classe. Jumpin' Jack Flash é a história do anti-herói, nascido em condições precárias, criado num ambiente hostil, muito mais power do que flower, mas que "tá, hoje, numa boa...". Aqui nascia a "maior banda de rock de todos os tempos". Em 68, os Beatles retornavam às raízes roqueiras com o álbum branco, mas os Stones já estavam noutra. Eles não precisavam voltar à raiz nenhuma, eles eram a própria raiz! Em Beggar's Banquet, o tom é quase folk, e às experimentações sonoras com percussões africanas (Sympathy for the Devil), afinações alternativas (Street Fighting Man, Prodigal Son, No Expectations) segue-se a continuidade desta temática mais agressiva (estas mesmas canções vem na esteira aberta por JJFlash). Coincidentemente (ou não), nesta época Brian Jones era um refém de seu junky life style e era pouco mais que um zumbi na banda, abrindo ainda mais espaço para Keef Richards.

Finalmente, em 1969, os Stones é que deixam os Beatles comendo poeira,
Let it Bleed é muito superior a Let it Be e Abbey Road, que mais soam como uma missa de réquiem (apesar de momentos sublimes devidos, principalmente, a George Harrison). Com o fim dos Beatles, sobram os Stones e com muito gás ainda. Sticky Fingers (1971) e Exile on Main Street (1972) fecham uma tetralogia iningualável na história do rock (com um excelente disco ao vivo aí no meio, de 1970): enquanto os Beatles se imortalizavam, os Stones seguiam em frente. Meros mortais, mas (cada vez mais) ricos mortais.

Um salto cronológico leva os Stones para "Shine a Light", filme dirigido por Martin Scorsese, filmado de um show para "VIP's" (como aliás todo show de rock tem sido ultimamente, basta ver o preço dos ingressos. Quem te viu, quem te vê...), em 2008, com apresentação de... Bill Clinton?!?! O que mudou tanto nestes 40 anos? Ao contrário dos Beatles, que, ao se separar, tornaram-se imortais, os Stones envelheceram. E da pior forma, sem assumir, sem usar a sabedoria e o charme que estes anos a mais poderiam lhes conceder (a não ser Charlie Watts, of course).



É claro que eles ainda tem talento. Voodoo Lounge (de '94), Bridges to Babylon ('97) e A Bigger Bang (2005) tem seus bons momentos, alguns até brilhantes, mas às vezes soam como o disco de natal do Roberto Carlos. Mostram uma banda que não sabe a dosagem certa entre se reinventar e continuar a fazer o que sabem fazer de melhor; há um desequilíbrio...

Mas, de novo, tô aqui viajando, e acho que nem cheguei na tangente do assunto que o título da postagem sugere. Afinal, porque eles continuam? Os Stones foram assolados pelos mesmos problemas internos que assolaram os Beatles; disputas entre egos cada vez maiores (Jagger e Richards), enquanto outros (Bill Wyman, Mick Taylor , Ron Wood) são meros coadjuvantes cujo trabalho e talento era menosprezado pelo núcleo criativo da banda; a mesma pressão externa sobre a banda com o aparecimento de músicos tão (ou ainda mais) talentosos quanto eles (Hendrix, Clapton, Led Zeppelin, entre tantos outros); diversos problemas com drogas, morte de Brian Jones, saída/troca de músicos; e, o pior, atravessar os anos setenta e oitenta, deixando de ser moda, com o surgimento de tantos novos sons, heavy metal, progressivo, punk, new wave... Porque eles insistiram em continuar?


Os Stones jamais serão imortais. Nem como os Beatles, nem como Hendrix. Tampouco como Kurt Cobain, ou até mesmo Michael Jackson. Os Stones são os caras que seguem em frente, mortais. A imortalidade atinge o pop star somente quando ele está no auge. A sua morte o torna imortal pelo fato de que ela acontece antes de seu declínio rumo à decadência total. O auge dos Stones nunca foi muito precisamente localizado, e ainda por cima, foi ofuscado pelos eternos Beatles e os recém-nascidos Hendrix, Led Zepp... Eles nunca foram fenômeno nem de vendas, nem de mídia. Sem os Stones, Jagger e Richards não seriam nada, sequer Jagger e Richards (bem, talvez eu esteja exagerando um pouco...).



E este paradoxo explica a longevidade dos Stones: recusando-se a morrer, tornam-se a mais mortal banda de todos os tempos. Graças a deus. Ou ao diabo, nunca se sabe.
[M]

4 comentários:

  1. esse blog tá uma baita escola!
    massa!
    andréa

    ResponderExcluir
  2. gostei bastante do teu texto sobre os pedras. a gente sempre fica querendo descobrir porque as coisas acontecem como acontecem.
    acho que os stones optaram pela vida. pelo casamento duradouro, que ao longo da vida foi se transformando em algo muito diferente do que de quando começou.
    e ainda bem que as coisas se transformam... as vezes pioram, mas a tentativa de continuar junto tem algo de encantador.

    digo que os stones morderam a vida. acho a opção mais difícil e ousada, porque estão aí, viejitos, movendo-se entre o velho e o novo. no filme do scorsese isto foi o que mais me tocou - acho essa abertura pra esses dois canais opostos sempre saudável.
    enfim, não tenho condições nenhuma de avaliar a qualidade da música em si, do itinerário musical daqueles quatro que já foram cinco, mas o que posso dizer é que eles quando tocam, nos tocam. pra mim já é de bom tamanho, puro prazer.
    andréa

    ResponderExcluir
  3. Pô, colocar Stones ao lado do disco de natal do Roberto Carlos é de uma crueldade que eu não esperava do ilustre blogueiro. Mas dá pra entender... Como a Déa, eu gosto do filme do Scorsese, mas confesso que aquela coisa toda em torno da família Clinton me incomoda. Talvez você tenha razão: aquilo tem ar de programa de natal da Globo. E o tal do roquenrou "descabelado" não resiste à pasteurização global, com os engomadinhos sorridentes falando dos "imortais" isso, os "imortais" aquilo. Mas o que resta é o paradoxo de sempre, não é? O sujeito que se proclama imortal percebe que está morrendo, e a aura que constrói a posteriori é apenas a forma patética de congelar a imagem idealizada de si mesmo. É como viver no auge, que é sempre uma forma de não viver.
    [P]

    ResponderExcluir